sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

“CANTAR OS REIS” JÁ NÃO É O QUE ERA

O ciclo do Natal fecha-se, segundo a tradição católica, a 6 de Janeiro, com a celebração do “dia de Reis”.

"Adoração dos Reis Magos"

Integrada nesta celebração, em Gondar, como na maioria das terras vizinhas, era tradição “cantar os Reis”. Assim, no dia ou na véspera de Reis, pela noite fora, grupos de amigos juntavam-se e iam “cantar os reis”. Não de porta em porta, como hoje se faz, mas apenas a casas que, por alguma razão, o justificavam: familiares, amigos, pessoas “gratas” da terra... Eu, com um grupo de amigos, gostava de cantar os reis e fazia-o todos os anos. Não íamos a muitas casas (duas ou três, não mais, por dia). Em silêncio, juntávamo-nos em círculo à porta da cozinha ou da sala e entoávamos os versos que, muitas vezes no próprio dia, tínhamos ensaiado: duas ou três quadras relativas ao “Menino Jesus” e aos “Reis Magos”, um refrão (Boas Festas, Boas Festas / Cantamos com alegria / Em honra do Deus Menino / Filho da Virgem Maria), e, depois, uma quadra dedicada a cada membro da família.
Não pedíamos dinheiro, mas o “dono” da casa, em sinal de amizade e gratidão, mandava-nos entrar, alargava-se a roda à volta da lareira (e que bem nos sabia naquelas noites gélidas de Janeiro!), tirava do sarilho um ou dois salpicões que partia em finas rodelas, ia à adega e trazia algumas canecas de vinho novo e, enquanto saboreávamos o gostoso paio e o saboroso tinto que se bebia pela caneca que passava de mão em mão, passávamos algumas horas em alegre cavaqueira. Depois, vestidos os agasalhos, partíamos para o próximo presenteado. E lá iniciávamos, novamente, o canto:
"Aqui vimos, aqui estamos
Aqui vimos, bem sabeis
Vimos dar as Boas Festas
E também cantar os Reis".
Quando a noite já ia longa regressávamos a casa, pois, no dia seguinte, havia mais.
Esta tradição adulterou-se completamente. Hoje, cantam-se “Os Reis” ou “As Janeiras”, mas como forma de peditório. Os cantadores correm a maior parte das casas da aldeia com o objetivo de otimizar a receita. E o ritual não se limita ao dia de Reis, mas prolonga-se por todo o mês de Janeiro, daí a expressão “cantar os Reis” ter sido substituída por “cantar as Janeiras”, uma expressão com uma carga menos religiosa.
Compreendo as necessidades financeiras das Instituições, mas o verdadeiro “espírito de Reis” foi-se! É pena.Restam as memórias!

Miguel Moreira

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